24 de outubro de 2007

Cidadania e Direitos

Entrevista com André Del Negri, professor do Curso de Direito da Universidade de Uberaba, realizada no dia 27/09/07


Cidadania. Mais uma palavra que aprendemos nos bancos escolares, lá na quinta, sexta, sétima série do ensino fundamental. Mas será que entendemos realmente o seu significado? Segundo Dalmo Dallari*, “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”. Se a maioria das pessoas não conhece nem mesmo seus direitos básicos, enquanto cidadão, fica ainda mais difícil incorporar o termo ao nosso dia-a-dia. Para esclarecer algumas dúvidas sobre o assunto conversamos com o professor do curso de Direito da Universidade de Uberaba, André Del Negri.

Há uma pergunta que a maioria tenta responder, mas ainda não entende completamente o seu significado. O que é cidadania?

Percebe-se aí que para responder essa pergunta você precisa ter uma série de implicações. Porque não é tão simples ou ao menos não tem sido o que o pessoal tem falado por aí, fora de um ambiente universitário como o nosso, para um esclarecimento maior do que seja isso. Eu não posso falar de cidadania se eu não falar de democracia. Seria uma irresponsabilidade enorme, então já começa por aí. Porque o exercício da cidadania vai ser também uma implementação da democracia. Talvez o maior equívoco que andam cometendo é enxergá-la —a cidadania— exatamente como se fosse o veículo exauriente do voto. Você votou, você já é cidadão. E não é isso. A democracia não se define só no voto. Ele, aliás, é uma fração miníma do exercício democrático. Ninguém pode dizer que só porque tem certidão de nascimento, título de eleitor já é um cidadão, pelo menos como tem enunciado os comerciais do governo federal. Esses são alguns documentos, talvez não os mais importantes pois, se for analisar o voto no Brasil, pelo âmbito da democracia, nem poderia ser obrigatório. Então se as pessoas enxergam a cidadania como ser portador de uma série de direitos fundamentais, não só o eleitoral, elas começam a compreender o seu significado.

E como ser realmente um cidadão?

Você só vai se ver como cidadão ou cidadã quando participar da construção e reconstrução do seu ordenamento jurídico, que lhe assegura alguns direitos indispensáveis. Se você tiver condições, num país, de participar, reconstruir, reivindicar aquilo que já está assegurado na Constituição Federal e outras legislações também, você está exercitando a cidadania e, logo, está implementando a democracia. Assim é que podemos começar, rompendo com essa mítica de que a cidadania só é exercida pelo voto. E quem vota ou deixa de votar também não pode ser condenado como sendo ou não cidadão.

Porque não votou não é cidadão…

Exatamente. É muito mais do que isso. É ter acesso a educação, saúde, emprego, uma série de implicações asseguras pela Constituição do seu país. E quando você tem esse acesso fica mais fácil exercitá-la. Mas as pessoas estão fixadas naquela primeira concepção de que apenas votando já é o suficiente.

Mas o Brasil tem um número altíssimo de analfabetos. Como essas pessoas vão garantir seus direitos se não podem ler nem escrever?

Em dados atualizados, me parece que são 75 milhões de analfabetos funcionais, aqueles que lêem e escrevem mais ou menos e não interpretam quase nada. Fora também os analfabetos plenos que são de 15 a 17 milhões, segundo dados do IBGE. Então é óbvio que essas pessoas já estão numa situação de marginalização, estão a margem dos seus direitos. Porque você só pode reivindicar aquilo que você compreende. Veja, o projeto de democracia está no livro da Constituição Federal do nosso país e quem vai tocá-lo para frente somos nós, integrantes desse sistema jurídico. Se existem pessoas que não sabem operacionalizar esse sistema, consequentemente, não vão conseguir reivindicar. Mas ai é que entra a democracia. Devem existir instituições que representem aqueles que por si só não tem condições. Por exemplo, o Ministério Público, a OAB com seus conselhos de representatividade dos direitos humanos, os parlamentares também deveriam fazer isso, às vezes não fazem, mas todas essas instituições estão incubidas de inclui-los socialmente.

Por esse motivo, de não conhecer ou não ter acesso a esses direitos, as pessoas deixam de reivindicar um melhor esclarecimento daquilo que poderia contribuir para suas vidas?

Juntando os números de analfabetos plenos, funcionais ou que chegam a universidade, talvez essa realidade seja explicada por aí. Poucos se envolvem com essas questões, as pessoas estão esperando as coisas acontecerem. A maioria se pôs apenas como destinatário disso tudo e ainda está esperando. Só que nós é que devemos ser os co-autores para fazer as coisas se emplementarem. Se algo está "lacrando" o exercício dos seus direitos você deve ir a um espaço especial, que é o espaço do judiciário. Fazer carreatas, protestos ou manifestções é uma pressão social, mas se quiser realmente resolver a situação é preciso discutir com as vias adequadas, de eficiência máxima, que garantirão o que já está estabelecido por direito. Ação popular qualquer um pode propor, mas poucos sabem como isso é feito. Aí é óbvio que o Ministério Público é que deveria fazer por quem quer ou até mesmo por quem não quer. O problema mais sério é a falta de educação e, consequentemente, a falta de esclarecimento.

Com tantos problemas, falta de esclarecimento, de educação adequada e de ação por parte da população, não dá pra apontar um culpado?

Não dá para dizer onde começaram os problemas. Nosso país é um país novo, com 500 anos. Os professores da Federal do Rio de Janeiro disseram que o Brasil só terá um equilíbrio social daqui a 300 anos. Então não há uma solução imediata. E fica díficil quando o povo não têm educação. O livro da Constituição Federal diz que "todos os cidadãos têm direito a um exemplar gratuito da mesmo". Tudo bem, então presume-se que todos saibam ler. Mas não é o que acontece. Já é outro agravante que deveria ser revisto pelo Ministério. Nós estamos dizendo aqui que a representatividade dos excluídos pelas funções públicas estatais resolvem os problemas. Mas as vezes não resolvem porque os próprios integrantes dessas funções não estão ainda adaptados para trabalhar num marco teórico, que é o Estado do direito democrático. E a pretexto de resolver eles criam outros problemas.

E como resolver isso?

Seria todos voltando para os bancos escolares para receber orientação de profissionais que despertem, de fato, esclarecimento. Só que a situação é muito delicada porque a implementação de tudo o que eu falei, moradia, educação e etc, dependeria de um crescimento maior da nossa economia. Hoje milhões de pessoas precisam do bolsa família e o critério do Banco Mundial para dizer quem é miserável é quem vive com até dois dólares por dia. Nós temos 9 milhões de famílias brasileiras que precisam dessa bolsa e se cotizarmos isso, por dia, dá exatamente o que o Banco trabalha para dizer quem é pobre quem é miserável. Não adianta, para melhorar a qualidade de cidadania desse povo é preciso um direito econômico maior — que é diferente de economia, porque se preocupa com a maneira como o capital acumulado vai ser cotizado, distribuído nos diversos programas de inclusão social. Então essa melhora terá que passar por uma série de implicações. Sérgio Buarque de Holanda diz em seu livro, Raízes do Brasil, que nós precisamos criar raízes e que só vamos mudar a realidade do Brasil por gerações. Nós herdamos essa herança maldita. E ela não será desfeita agora, com a ilusão de que um presidente, em quatro anos, irá resolver essa situação. O que eles, os presidentes, apresentam são projetos políticos para chegar ao executivo e não para mudar essa cena caótica. Por isso temos que trabalhar para a geração dos nossos filhos e netos, e quando eu falo dos professores da Federal com relação aos 300 anos para o equilíbrio, é verdade, ainda vai demorar muito tempo, várias gerações.

* DALLARI, Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14.


Cidadania e Direitos

Entrevista com André Del Negri, professor do Curso de Direito da Universidade de Uberaba, realizada no dia 27/09/07


Cidadania. Mais uma palavra que aprendemos nos bancos escolares, lá na quinta, sexta, sétima série do ensino fundamental. Mas será que entendemos realmente o seu significado? Segundo Dalmo Dallari*, “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”. Se a maioria das pessoas não conhece nem mesmo seus direitos básicos, enquanto cidadão, fica ainda mais difícil incorporar o termo ao nosso dia-a-dia. Para esclarecer algumas dúvidas sobre o assunto conversamos com o professor do curso de Direito da Universidade de Uberaba, André Del Negri.

Há uma pergunta que a maioria tenta responder, mas ainda não entende completamente o seu significado. O que é cidadania?

Percebe-se aí que para responder essa pergunta você precisa ter uma série de implicações. Porque não é tão simples ou ao menos não tem sido o que o pessoal tem falado por aí, fora de um ambiente universitário como o nosso, para um esclarecimento maior do que seja isso. Eu não posso falar de cidadania se eu não falar de democracia. Seria uma irresponsabilidade enorme, então já começa por aí. Porque o exercício da cidadania vai ser também uma implementação da democracia. Talvez o maior equívoco que andam cometendo é enxergá-la —a cidadania— exatamente como se fosse o veículo exauriente do voto. Você votou, você já é cidadão. E não é isso. A democracia não se define só no voto. Ele, aliás, é uma fração miníma do exercício democrático. Ninguém pode dizer que só porque tem certidão de nascimento, título de eleitor já é um cidadão, pelo menos como tem enunciado os comerciais do governo federal. Esses são alguns documentos, talvez não os mais importantes pois, se for analisar o voto no Brasil, pelo âmbito da democracia, nem poderia ser obrigatório. Então se as pessoas enxergam a cidadania como ser portador de uma série de direitos fundamentais, não só o eleitoral, elas começam a compreender o seu significado.

E como ser realmente um cidadão?

Você só vai se ver como cidadão ou cidadã quando participar da construção e reconstrução do seu ordenamento jurídico, que lhe assegura alguns direitos indispensáveis. Se você tiver condições, num país, de participar, reconstruir, reivindicar aquilo que já está assegurado na Constituição Federal e outras legislações também, você está exercitando a cidadania e, logo, está implementando a democracia. Assim é que podemos começar, rompendo com essa mítica de que a cidadania só é exercida pelo voto. E quem vota ou deixa de votar também não pode ser condenado como sendo ou não cidadão.

Porque não votou não é cidadão…

Exatamente. É muito mais do que isso. É ter acesso a educação, saúde, emprego, uma série de implicações asseguras pela Constituição do seu país. E quando você tem esse acesso fica mais fácil exercitá-la. Mas as pessoas estão fixadas naquela primeira concepção de que apenas votando já é o suficiente.

Mas o Brasil tem um número altíssimo de analfabetos. Como essas pessoas vão garantir seus direitos se não podem ler nem escrever?

Em dados atualizados, me parece que são 75 milhões de analfabetos funcionais, aqueles que lêem e escrevem mais ou menos e não interpretam quase nada. Fora também os analfabetos plenos que são de 15 a 17 milhões, segundo dados do IBGE. Então é óbvio que essas pessoas já estão numa situação de marginalização, estão a margem dos seus direitos. Porque você só pode reivindicar aquilo que você compreende. Veja, o projeto de democracia está no livro da Constituição Federal do nosso país e quem vai tocá-lo para frente somos nós, integrantes desse sistema jurídico. Se existem pessoas que não sabem operacionalizar esse sistema, consequentemente, não vão conseguir reivindicar. Mas ai é que entra a democracia. Devem existir instituições que representem aqueles que por si só não tem condições. Por exemplo, o Ministério Público, a OAB com seus conselhos de representatividade dos direitos humanos, os parlamentares também deveriam fazer isso, às vezes não fazem, mas todas essas instituições estão incubidas de inclui-los socialmente.

Por esse motivo, de não conhecer ou não ter acesso a esses direitos, as pessoas deixam de reivindicar um melhor esclarecimento daquilo que poderia contribuir para suas vidas?

Juntando os números de analfabetos plenos, funcionais ou que chegam a universidade, talvez essa realidade seja explicada por aí. Poucos se envolvem com essas questões, as pessoas estão esperando as coisas acontecerem. A maioria se pôs apenas como destinatário disso tudo e ainda está esperando. Só que nós é que devemos ser os co-autores para fazer as coisas se emplementarem. Se algo está "lacrando" o exercício dos seus direitos você deve ir a um espaço especial, que é o espaço do judiciário. Fazer carreatas, protestos ou manifestções é uma pressão social, mas se quiser realmente resolver a situação é preciso discutir com as vias adequadas, de eficiência máxima, que garantirão o que já está estabelecido por direito. Ação popular qualquer um pode propor, mas poucos sabem como isso é feito. Aí é óbvio que o Ministério Público é que deveria fazer por quem quer ou até mesmo por quem não quer. O problema mais sério é a falta de educação e, consequentemente, a falta de esclarecimento.

Com tantos problemas, falta de esclarecimento, de educação adequada e de ação por parte da população, não dá pra apontar um culpado?

Não dá para dizer onde começaram os problemas. Nosso país é um país novo, com 500 anos. Os professores da Federal do Rio de Janeiro disseram que o Brasil só terá um equilíbrio social daqui a 300 anos. Então não há uma solução imediata. E fica díficil quando o povo não têm educação. O livro da Constituição Federal diz que "todos os cidadãos têm direito a um exemplar gratuito da mesmo". Tudo bem, então presume-se que todos saibam ler. Mas não é o que acontece. Já é outro agravante que deveria ser revisto pelo Ministério. Nós estamos dizendo aqui que a representatividade dos excluídos pelas funções públicas estatais resolvem os problemas. Mas as vezes não resolvem porque os próprios integrantes dessas funções não estão ainda adaptados para trabalhar num marco teórico, que é o Estado do direito democrático. E a pretexto de resolver eles criam outros problemas.

E como resolver isso?

Seria todos voltando para os bancos escolares para receber orientação de profissionais que despertem, de fato, esclarecimento. Só que a situação é muito delicada porque a implementação de tudo o que eu falei, moradia, educação e etc, dependeria de um crescimento maior da nossa economia. Hoje milhões de pessoas precisam do bolsa família e o critério do Banco Mundial para dizer quem é miserável é quem vive com até dois dólares por dia. Nós temos 9 milhões de famílias brasileiras que precisam dessa bolsa e se cotizarmos isso, por dia, dá exatamente o que o Banco trabalha para dizer quem é pobre quem é miserável. Não adianta, para melhorar a qualidade de cidadania desse povo é preciso um direito econômico maior — que é diferente de economia, porque se preocupa com a maneira como o capital acumulado vai ser cotizado, distribuído nos diversos programas de inclusão social. Então essa melhora terá que passar por uma série de implicações. Sérgio Buarque de Holanda diz em seu livro, Raízes do Brasil, que nós precisamos criar raízes e que só vamos mudar a realidade do Brasil por gerações. Nós herdamos essa herança maldita. E ela não será desfeita agora, com a ilusão de que um presidente, em quatro anos, irá resolver essa situação. O que eles, os presidentes, apresentam são projetos políticos para chegar ao executivo e não para mudar essa cena caótica. Por isso temos que trabalhar para a geração dos nossos filhos e netos, e quando eu falo dos professores da Federal com relação aos 300 anos para o equilíbrio, é verdade, ainda vai demorar muito tempo, várias gerações.

* DALLARI, Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14.


1 de outubro de 2007

Texto de Carolina Caetano da apresentação no JMB

O texto será apresentado nos dias 5 e 6 de outubro, às 20:30hs no Teatro José Maria Barra. Confiram em primeira mão.

Do tento e outra bobagem
(Carolina Caetano)

São guarda-sóis cravados na areia
E o regaço de idéia contida Debruçado o corpo em sofismas
Pois que são só guarda-sóis e areia
E guarda-sóis não pensam em nada
São entrelinhas e transições
E o abrigo dos meios-termos
Estancado o corpo em abismos
Pois que são só entrelinhas e meios
E transições não levam a nada
São copos sujos na escrivaninha
E a aldeia das cartas tácitas
Pairado o corpo em intentos
Pois que são só papéis e copos
E devaneios não intentam nada
São cobertas vazias na noite
E o retiro dos pêlos arrepiados
Desnutrido o corpo na ausência
Pois que são só quartos e noites
E cobertas não aquecem nada
São estrangeiros cravados em terra a nação de anseios infantis
Norteado o corpo em caos
Pois que são só guarda-sóis em teu peito
E amor não sossega por nada