31 de julho de 2007

Terceira matéria do Revela


Um caminho de terras e homens


Professores da Uniube percorrem a Argentina de bicicleta e descobrem uma nova América Latina


Graziella Tavares
4° período de Jornalismo

Imagine dois professores da Uniube fazendo uma viagem para a Argentina de bicicleta, encarando mais de 3.000 km de estrada, desde Foz do Iguaçu até El Paso de Jama, fronteira com o Chile, tudo feito em apenas 30 dias. Nada comum para dois professores. Mas o que os destaca é que além de amigos, esses dois são apaixonados por História e Turismo. Então, Therbio e Tássio agregaram essas duas grandespaixões, tanto profissional como pessoal, na mesma bagagem e partiram para uma viagem emocionante, onde vários "imprevistos" superaram suas expectativas.
Therbio Felipe Moraes, nascido em Pelotas, Rio Grande do Sul, é professor do Curso de Turismo da Uniube. O uberabense Tássio Franchi é mestre em História e atualmente é professor da Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Entrevistá-los, porém, seria quase impossível, pois a distância fez com que Tássio só pudesse ser contatado por e-mail. Tão diferente quanto a viagem que fizeram.
Mas por que a Argentina? E de bicicletas? A resposta foi imediata. "Somos apaixonados pela América Latina e por bikes. Resolvemos aliar as duas coisas ligando as águas de Foz do Iguaçu com as águas do Pacífico", responde Therbio. No seu mestrado,
Tássio estudou os movimentos sociais latino-americanos com a mídia, História do Tempo Presente, História da América e História Contemporânea. Daí o interesse pela Argentina.
Mesmo com todas as experiências anteriores e as viagens que já haviam feito, Therbio e
Tássio não conheciam o país. E andar por umas das estradas mais bonitas do mundo — a Rota 12, que vai desde Foz do Iguaçu até São Pedro de Atacama, no Chile — seria uma aventura e tanto para os brasileiros. Mas como eles mesmos disseram, o caminho se encarregou de mostrar a direção.

A preparação e a saída
Demorou um mês até que os professores decidissem o caminho que percorreriam. Inicialmente montaram 17 roteiros diferentes, mas eram os mesmos trajetos que os turistas faziam, então não queriam repeti-los. "É que não queríamos conhecer a fronteira da Argentina e sim, o interior do país", explica Tássio. Para aproveitar ao máximo toda a paisagem eles pensaram desde o preparo físico até a organização da viagem, por onde passariam e qual equipamento fotográfico era ideal, além de pesquisar vários pontos logísticos.
Depois de receber apoio de fisioterapeutas, nutricionistas e cuidados físicos, os professores compraram equipamentos básicos, como cantis, barracas, mochilas (chamadas de alforges), isolantes térmicos, medicamentos, um fogareiro, pequenas peças de reposição para as bicicletas e material fotográfico. Eram quase 40 kg em cada um dos alforges, sendo 10 kg só de câmeras, filmes e outros equipamentos. Mas um "detalhe" preocupava os amigos. Therbio é epiléptico e Tássio é alérgico a tudo. Seria um grande desafio, mas a esperança era de que nada de mal acontecesse. "A idéia surgiu de maneira inóspita. Eu e o Tássio resolvemos ousar. Nós praticamos esportes, mas às vezes, a vida profissional exige tanto de nós, que precisamos parar de trabalhar e aproveitar melhor a vida", diz Therbio. Feito o check-up geral, eles estavam prontos para colocar o pé na estrada. Assim, foram para Florianópolis no dia 20 de dezembro de 2006 e saíram de bicicleta para a maior aventura de suas vidas.
Eles não levaram nenhum guia, a não ser um GPS (que perdeu-se no caminho) e viajaram seguindo o próprio espírito de aventura. Por isso era importante que se estabelecesse um diálogo com as pessoas que passassem por eles. Dessa forma, conseguiam comida, moradia por alguns dias e novas amizades. Não foi à toa que dormiram em postos de gasolina, garagens. E assim tomavam banho e comiam. Levaram um pouco de dinheiro, quase R$1.000. O restante seria pago com cartão de crédito. Mas somente em território argentino eles descobriram que os cartões não funcionavam porque os terminais não estavam interligados aos do Brasil. Na moeda argentina, o que tinham no bolso, chegava a 1.800 pesos, o suficiente para as necessidades básicas. Na idéia inicial, os dois pretendiam ir até o Chile, mas ficaram a 300 km do destino, sem dinheiro e sem forças. O jeito era aproveitar ao máximo cada parada.

O caminho
Em todos os lugares por onde passaram os climas oscilavam violentamente. A cada 12 horas estavam sujeitos a um novo ambiente. Fazia calor, depois chovia e assim foi por toda a viagem. OS professores chegaram a ter queimaduras na pele e infecções respiratórias, Tássio deve uma disenteria durante os primeiros dias de viagem por conta de um "suculento oleoso bife de parmegiana" que comeu no caminho de El Alcazar, como ele mesmo diz.
A famosa Rota 12 ajudou a descobrir uma paisagem de vilas pitorescas e capelas históricas. "Não tenho outra palavra para resumir, senão apaixonante", emociona-se Therbio ao falar das pequenas cidades que conheceram à beira da estrada. San Ignácio, Ituzaingó (onde as casas não tinham muro, bem no meio do Pantanal), o Pucará de Tilcará e a praça de Humauaca foram os lugares que mais impressionaram Tássio. A primeira parada foi em um posto de gasolina e, como era noite de Natal, a cidade de Porto Esperanza estava toda fechada. O jeito foi improvisar. No dia seguinte foram muito bem recebidos pelos argentinos que ofereceram pratos típicos e frutas frescas. Aliás, um costume que existe no país é colocar as frutas na vertical formando grandes mosaicos que podem ser vistos ao longe. "Eles não mediram esforços para nos auxiliar quando precisamos, para serem hospitaleiros e companheiros. Foram tantas as passagens onde esta hos
pitalidade e o calor humano ficaram claros que seria injusto escolher uma delas".
Depois de 6 a 8 horas pedalando, o cansaço incomodava e eram obrigados a parar em campings, que por sinal eram bem estruturados; além da área para barracas,
ofereciam alojamentos coletivos e quartos ou chalés individuais. No dia 31, Tássio e Therbio foram a um balneário em Ituzaingó, às margens do rio Paraná, e conheceram o señor Miguel que os convidou para passar o Reveillon com sua família. Mas os professores ficaram desesperados porque levaram apenas um agasalho e bermudas: não poderiam ir a casa do anfitrião vestidos daquele jeito. Então pegaram suas roupas sujas e lavaram ali mesmo, perto do balneário, depois passaram todas com um ferro para que secassem até a noite. Compraram algumas garrafas de vinho e foram para a casa do señor Miguel. Passaram a noite conversando e, quando iam embora, foram convidados a voltar na hora do almoço. Passar o primeiro dia do ano na casa de pessoas que nunca viram antes, mas que os acolheram com toda a atenção, era muito gratificante.


Uma viagem para ficar na história


Entre montanhas, desfiladeiros e povoados, professores colecionaram amigos e aventuras


Expostos à extrema aridez do caminho, os professores nem pensavam na possibilidade de sofrer um assalto. Tinham muitos equipamentos caros, como uma câmera especial da Yashica, com lente objetiva de 700 mm e tudo mais. Mas nada aconteceu. Só perderam o GPS, por distração, na única vez que andaram de ônibus. E Therbio ainda diz que ele não fez muita falta. “O mapa estava sempre errado. Íamos parar num lugar totalmente diferente do que pensávamos. Foi até melhor, porque quando alguma coisa dava errado, ou quando surgia um problema, sempre outra coisa dava certo ou havia um apoio. Era incrível.”
Um desses apoios foi o señor Jimenéz. Com as temperaturas oscilantes e as chuvas constantes, os dois tomavam água em qualquer lugar. Isso afetou o organismo de Tássio, que foi “salvo” pelo chá de arenco do señor Rimenez, uma bebida forte usada para curar as enfermidades do estômago, feito com uma planta muito amarga, típica da região. “Mas é tiro e queda. Fiquei bom em 5 dias”, lembra Tássio. Depois do terceiro dia em Ituzaingó eles decidiram ir embora. Mas sempre que estavam saindo alguém os convidava para ficar para o almoço, aí estendiam até o jantar, e como já havia escurecido, o jeito era esperar até amanhecer.
No quinto dia saíram sem avisar. Enquanto deixavam a cidade, a emoção tomou conta dos professores. Depois de uma hora pedalando, eles se deram conta do quanto aquilo havia tocado os seus corações. “Foi nesse momento que eu percebi que o caminho transformou nossa irmandade (a amizade com o Tássio) em eternidade. Demos muito mais valor às coisas simples. Tiramos velhas mágoas, dores antigas dos nossos corações e nos sentimos aliviados por isso”, conta Therbio. Por um instante, lembraram das construções jesuíticas, datadas de 1691, em San Ignácio. A emoção de Tássio ao constatar que todos os seus estudos sobre o lugar estavam ali, diante de seus olhos, era incomparável. “É impossível para mim não pensar em todo o jogo de interesses políticos que levaram à destruição das misiones no final do século XVIII”, emociona-se ao falar das ruínas de uma das maiores reduciones jesuíticas, San Ignácio Mini. Nem mesmo fotos explicaram esse momento.

Purmamarca: a união de todos os povos
Depois das emoções vividas em Ituzaingó, era hora de conhecer outros lugares. No caminho os professores encontram várias cobras e outros animais à beira da estrada. Era impressionante a quantidade de animais selvagens. “Uma coisa que nos impressionou na Rota 12, que seguimos saindo de Ituzaingó até Corrientes, foi a quantidade de cobras e jacarés mortos na estrada. O número era incontável e os tamanhos variavam”, conta Tássio. Mais adiante eles encontraram uma jibóia viva no meio da estrada e tentaram levá-la de volta para o chaco, lugar onde há água suja e estagnada. “Como essa espécie de cobra não tem veneno, mas uma mordida dói muito, peguei-a pela cauda e a arrastei de volta ao banhado enquanto Therbio fotografava tudo. Essa é uma faceta que só uma viagem de bicicleta pode te mostrar, pois, de ônibus ou carro jamais veríamos este belo animal tão de perto!” Tão impressionante também era o número de turistas que paravam para tirar foto com os professores, que viraram atração turística. As pessoas paravam seus carros, saíam com máquinas digitais e garrafas com chá mate para oferecer a eles enquanto tiravam fotos. Seguindo viagem, viram a famosa “neve eterna” (neve no pico das montanhas). Nas descidas, a sensação térmica era de 5 graus positivos, a 4.170 metros de altura. Therbio tem pânico de altura, mas não resistiu às grandes montanhas e subiu nas mais altas. Eles pararam para tomar café em Corrientes e, chegando em Purmamarca, puderam apreciar paisagens maravilhosas e comidas deliciosas. O que mais comiam era carne de lhama (bem parecida com carne de tatu e lagarto) batata frita, tolos (sopa de milho), pamonha (bem típica por lá) e frutas. Os pratos não saíam mais de quatro reais e os vinhos também. “Realmente é muito barato fazer uma refeição apetitosa na Argentina”, confirma Therbio. Para quem está cansado, qualquer lugar serve para descansar. Mas havia tantas coisas para serem vistas em Purmamarca que era impossível parar. As manifestações religiosas e culturais foram marcantes. Os professores viram igrejas cristãs com abóbadas maçônicas, feiras de tecidos, ervas medicinais, tudo vendido em praças, exposto em barracas improvisadas, como nas feiras livres do nosso país. Depois encontraram pessoas do mundo todo, sentados nos bancos, no chão, compartilhando tudo o que tinham, comida, música e alegria.
Cuba, França, Grécia, Itália, Espanha e tantos outros países juntos na melodia dos violões e na música de Chico César. Foi assim que começou uma grande festa ao ar livre em Purmamarca, comandada por Tássio e Therbio. Os professores pegaram um violão e as pessoas começaram a se aglomerar em volta da praça, cantando e acompanhando as músicas. Quando deram conta, perceberam que estavam reunidos com mais de 250 pessoas, nativos e estrangeiros, todos espalhados pelo local. Ali, eles puderam dividir, além das experiências, grandes histórias de vida.

A volta
Saindo de Purmamarca seguiram para Jujuy, Salta e, depois de 140 km percorridos de uma só vez, ficaram totalmente esgotados. Era hora de voltar, estavam sem dinheiro e a energia que tinham era suficiente apenas para entrar em um ônibus, direto para Florianópolis, e descansar. Vinte e quatro horas de viagem e eles finalmente estavam em solo brasileiro. Passaram na casa da família de Therbio, em Balneário Camburiú, para comer uma picanha e voltaram de carro para Uberaba.
Os amigos trouxeram da Argentina mais de 3 mil fotos digitais e analógicas, um vídeo com vinte seis horas de gravação e muitas lembranças. E depois de tanta coisa presenciada, os professores não podiam deixar de afirmar que a viagem serviu como um grande aprendizado. “Essa viagem, acima de tudo, foi uma prova de humanidade.” Tássio ainda diz da importância de conhecer outras culturas de perto, que, no caso deles, foi possível através do cicloturismo. “Mas não importa se você vai viajar de bicicleta ou de avião... importa que, esteja onde estiver, você saiba reconhecer e respeitar a cultura do outro. Que saiba interagir e trocar experiências de forma horizontal, franca e despretensiosa. Acredito que só poderemos construir um mundo onde caibam muitos no dia que conhecermos e respeitarmos estes muitos mundos que existem, estejam eles na Argentina ou na zona rural próxima a nossas cidades. E não tenho dúvidas que a viagem de bicicleta é um ótimo instrumento de interação”, finaliza Tássio. (Graziella Tavares)


BLOG DA VIAGEM

Um aluno de Therbio, André , resolveu criar um blog para registrar os melhores momentos da viagem. Os professores, sempre que podiam e que tinham acesso à Internet, colocavam fotos e comentários dos lugares por onde passavam. Mas isso era raro, pois na Argentina o acesso é caro e lento. Enquanto Tássio escrevia, Therbio visitava as montanhas e as várias paisagens. Foram apenas dez postagens e uma comunidade no Orkut, mas o suficiente para eles manterem contato, até hoje, com mais de 180 pessoas, que se tornam amigas dos professores durante o caminho. Quem quiser conferir com mais detalhes é só clicar: http://deterrasehomens.blogspot.com e http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=25646886.

CICLOTURISMO

O cicloturismo surgiu no final da Segunda Guerra Mundial. É um estilo diferente de viagem para turistas exigentes, que gostam de estar em contato com a natureza, apreciar a paisagem e se integrar com o ambiente. Existem vários sites de clubes de cicloturismo com várias informações sobre roteiros, equipamentos necessários, circuitos e histórias de quem já rodou o mundo de bicicleta.
Confira nos endereços eletrônicos:
http://www.clubedecicloturismo.com.br/,
http://www.trilhaseaventuras.com.br/atividades/superdica.asp?id_atividade=5&id=101 e http://www.escoladebicicleta.com.br/cicloturismo.html